Há poucos
meses - a edição e o número eu perdi durante a mudança de flat (!) – li uma
matéria na Vogue UK que me fez marejar os olhos. Marejar olhos na Vogue soa
bastante exagerado, mas foi o que aconteceu – isso se chama sinceridade
afetiva.
‘To have
and to hold’ é o título do texto de Christa D’Souza, que discute nada mais,
nada menos do que bolsas! Sim, ‘my precious bags’! Exageros à parte, o texto é
ótimo e traz à tona de forma leve e engraçada – no estilo ‘Vogue UK de humor’ –
o apreço que muitas de nós temos ou elaboramos por nossas bolsas. Mas as bolsas
às quais se refere Christa não são apenas bolsas, digamos, mas, sim, ‘luxury
bags’, aquelas que tem um significado especial – não apenas pelo preço nada
módico – mas pelo valor que atribuímos a elas – consciente ou
inconscientemente.
‘Sua
primeira bolsa de gente grande? Você se lembra dela? Aquela que marca o momento
da mudança de uma mera graduanda a uma pessoa com um emprego decente?’, com
essas perguntinhas Christa inicia seu texto oferecendo sua experiência como
resposta. A primeira bolsa ‘de gente grande’ dela (pra soar lúdico) foi ‘A
minha foi um caso com uma ‘quilt’n’gilt’ burgundy, cujo formato lembrava um
pedaço gigante de Toblerone da – bem, de onde mais? – Chanel’ responde. Compra
que a fez comer apenas pasta por semanas a fio e a qual teve que esconder da
família porque tinha sido a coisa mais cara que ela já havia comprado na vida,
o que pra ela pouco importou. Pra ela e pra todas as outras meninas-mulheres
que ela entrevistou para a matéria.
Longe da realidade ou do desejo de consumo de
muita gente, mas apreciadas e cotidianas na realidade de muita outra gente
(sim!), bolsas ditas ‘de luxo’ – como gosta de afirmar Christa – muitas vezes
transformam não apenas a imagem de quem as leva à tira colo, mas também o
comportamento. Explico. Diretor criativo da espanhola Loewe, Stuart Vevers
argumenta, do ponto de vista cultural-econômico, que ‘nada parece conectar com
mais poder o consumidor do que uma bolsa’, aquilo que parece saltar aos olhos
dentro da vitrine, algo que te inspire um desejo enorme (estou amenizando as
palavras dele, que são bem mais efusivas) e te faça encantar logo de cara. Esse
poder todo, diz ele, possui uma bolsa. Mas lembrem-se, não estamos falando de
qualquer bolsa, estamos falando DAS bolsas. Camille Miceli, da Dior, ainda
afirma que as bolsas são a forma mais positiva e prática do consumidor acessar
uma marca sem ter que despender de tempo para experimentar tamanhos etc.
Sem
marcações exageradas de gênero, Christa expande também esse desejo – em menor
escala no seu texto – ao público masculino, que, por hora, não vem ao caso. Mas
voltemos as bolsas e suas admiradoras.
Se você tem
um olhar ou sensibilidade mais apurados, ou tem amigos que os tem, já deve ter
percebido que roupas são como narrativas, independente de escolhas conscientes
ou não, elas sempre contam algo sobre quem as veste, que pode ser desde um
‘estou num dia corrido e preciso de praticidade’, ou algo mais sensitivo como
‘estou muito feliz ou muito cabisbaixo etc’. Aí entram aquelas pequenas coisas
que funcionam como sinais ou marcas de discurso dentro da narrativa que você
é-veste. Entre elas estão as bolsas! Christa afirma ser esse objeto aquele ‘no
qual confiamos as coisas que fazem, compõem a nossa vida durante o dia-a-dia’.
E é verdade, não? Daí conseguimos ver, por exemplo, quem carrega a vida toda na
bolsa, quem não carrega quase nada, quem busca medida certa no formato e
praticidade (ah, essa sempre bem vinda!), quem quer ter a tira colo aquela
coisa gostosa de olhar ou até mesmo aquele objeto que te dê segurança, apoio e
se coloque entre a sua relação com o mundo.
Ok, falamos
do texto. Fiz vocês pensarem um pouco sobre esse objeto que carregam pra cima e
pra baixo, que sei bem algumas trocam sempre, outras usam até furar e perder a
cor? Vou bancar a Christa e colocar minha experiência como resposta. Minha
primeira ‘designer bag’ foi uma 2Jours marrom da Fendi (suspiros...), a qual
carinhosamente apelidei de ‘meu diamante’.*** Meu porque trabalhei muito pra
conseguir e porque a bonita tem minha inicial gravada (de graça!) num dos
detalhes. Minha mãe não sabe (sabia, porque agora saberá) que tenho um
‘diamante’ desses em casa, que o carrego pra todo lado, que esbarra em paredes,
no chão de casa, em balcão de loja, no trem, na mesa da universidade, etc, etc,
etc. O que não signifique que não tenho cuidado com ela, pelo contrário, cuido
bem demais, porém é uma b-o-l-s-a, um objeto que tem funcionalidade e contexto,
que não deve ficar enterrada na ‘dust bag’ no fundo do armário porque é muito
preciosa pra ser usada. Não, não não. Esse não é o espírito da coisa.
E então
vocês me perguntam ‘mas, Gabi, porque essa bolsa? Porque uma Fendi?’. Sendo
completamente sincera eu queria algo perene – como quase tudo em que invisto –
mas ao mesmo tempo contextual. Queria acima de tudo qualidade inexorável, e,
claro, algo que adicionasse, mas não chamasse total atenção pra mim –
lembram-se da narrativa, certo? O que mais me encantou e que o eu mais
procurava era uma bolsa que tivesse esse caráter de ‘designer’, que transpira
qualidade e delicadeza, mas que fosse absolutamente prática e que, acima de
tudo, fizesse meu estilo parecer sempre alinhado, não importando a quantidade
(toneladas) que papeis e coisas que eu fosse carregar. Ela é daquelas que você
pode entupir de coisas sem alterar o formato. **suspiros de novo**
Como eu me
sinto quando estou com ela? Organizada e elegante. Não vou mentir dizendo que
não recebo olhares quando a uso e que muita gente fica curiosa com aquele G. na
fivela, mas o nome da marca é discretíssimo e nada escancara seu valor além da
qualidade que ela naturalmente exprime. E eu GOSTO dela, adoro a sensação
gostosa que tenho quando ela complementa meu jeans e camiseta branca. Adoro
abrir cada um dos compartimentos e ver que tudo fica organizado e bonito lá
dentro.
Notei, de
alguns anos pra cá, o consumo cada vez maior dessas bolsas de luxo no mercado
brasileiro, um consumo muito mais democrático e horizontal, que podemos
atribuir a diversos fatores como aumento no padrão de vida, especialmente da
classe média (super fã de Michael Kors), que por sua vez proporciona facilidade
para viagens internacionais – tudo barateou, fato – e que, por sua vez,
possibilidade o acesso a marcas consideradas de luxo em países (e outlets) onde
os preços são bem mais acessíveis, sem as taxas horrorosas de importação. Então
tenho me perguntado coisas meio bobas como quais as marcas mais comuns por aí,
quais modelos mais procurados, e o mais interessante, o porquê da escolha por
um objeto de desejo como esse. Me responda?
Vocês podem
já estar pensando ‘mas tudo isso por causa de uma bolsa? Que exagero!’. Então perguntem-se
a mesma coisa, façam esse pequeno exercício e procurem o que de mais valioso
vocês tem no seu closet. Transfiram todas as minhas inquietações nesse texto
para aquilo que vocês mais valorizam e tem carinho, mas mantenham o contexto do
vestir-se em mente. Nunca numa escala tão grande e de proporções tão
globalizadas esses objetos de desejo serviram como reflexo tão evidente de
narrativas pessoais, sem medo de ser atemporal aqui. Afinal se eu for ao Japão
com minha Fendi tenho certeza que serei lida com olhos igualmente curiosos por
qualquer pessoa que tenha algum interesse no campo fashion. Objetos pessoais
que proclamam, ou apenas dizem por nós, uma mensagem qualquer que queiramos
passar não são coisa do nosso tempo, claro. Mas a sensação do ‘status over’ me
parece muito contemporânea.
Meu
diamante está aqui, nesse momento no chão de madeira do meu apartamento, ao
lado de um dos sofás da sala, não por acaso ontem ele foi as ruas. A verdade é
que o desejo por um objeto desses não termina no primeiro. Como tatuagem,
dizem, você nunca para na primeira, certo? Eu não parei no diamante, há também
o rubi e a esmeralda. Mas isso é assunto pra outros papos.
*A mãe de
uma grande amiga minha tinha uma Land Rover prateada que vez em quando
emprestava ao filho e nunca me esqueci dela dizendo ‘cuidado com meu diamante’.
Emprestei isso dela. Tem contexto melhor?